27 de junho de 2010

A Maior Flor do Mundo

"E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?" José Saramago

Esta animação tem circulado muito pela internet, especialmente depois da partida de José Saramago. Já conhecia a versão com a narração em espanhol, agora a minha mãe descobriu a versão com narração em português. Aqui fica armazenada esta linda curta-metragem de animação baseada no livro «A Maior Flor do Mundo», de José Saramago. De Juan Pablo Etcheverry, com música de Emilio Aragón e narração de José Saramago. Produção de Continental Animación.

A Maior Flor do Mundo from Fundação Jose Saramago on Vimeo.

20 de junho de 2010

Rapsódia de Marrretas

Andei a pesquisar pela página dos Webby Awards e encontrei esta versão da Bohemian Rhapsody dos Queen, interpretada pelos Marretas. Que saudades duns e doutros! Boa semana.

18 de junho de 2010

Porque terá chegado a grande sombra

"Cai a chuva, o vento desmancha as árvores desfolhadas, e dos tempos passados vem uma imagem, a de um homem alto e magro, velho, agora que está mais perto, por um carreiro alagado. Traz um cajado ao ombro, um capote enlameado e antigo, e por ele escorrem todas as águas do céu. À frente caminham os porcos, de cabeça baixa, rasando o chão com o focinho. O homem que assim se aproxima, vago entre as cordas de chuva, é o meu avô. Vem cansado, o velho. Arrasta consigo setenta anos de vida difícil, de privações, de ignorância. E no entanto é um homem sábio, calado, que só abre a a boca para dizer o indispensável. Fala tão pouco que todos nos calamos para o ouvir quando no rosto se lhe acende algo como uma luz de aviso. Tem uma maneira estranha de olhar para longe, mesmo se esse longe seja apenas a parede que tem na frente. A sua cara parece ter sido talhada a enxó, fixa mas expressiva, e os olhos, pequenos e agudos, brilham de vez em quando como se alguma coisa em que estivesse a pensar tivesse sido definitivamente compreendida. É um homem como tantos outros nesta terra, neste mundo, talvez um Einstein esmagado sob uma montanha de impossíveis, um filósofo, um grande escritor analfabeto. Alguma coisa seria que não pode ser nunca. Recordo aquelas noites mornas de Verão, quando dormíamos debaixo da figueira grande, ouço-o falar da vida que teve, da Estrada de Santiago que sobre as nossas cabeças resplandecia, do gado que criava, das histórias e lendas da sua infância distante. Adormecíamos tarde, bem enrolados nas mantas por causa do fresco da madrugada. Mas a imagem que não me larga nesta hora de melancolia é a do velho que avança sob a chuva, obstinado, silencioso, como quem cumpre um destino que nada poderá modificar. A não ser a morte. Este velho, que quase toco com a mão, não sabe como irá morrer. Ainda não sabe que poucos dias antes do seu último dia terá o pressentimento de que o fim chegou, e irá, de árvore em árvore do seu quintal, abraçar os troncos, despedir-se deles, das sombras amigas, dos frutos que não voltará a comer. Porque terá chegado a grande sombra, enquanto a memória não o ressuscitar no caminho alagado ou sob o côncavo do céu e a eterna interrogação dos astros. Que palavra dirá então?"

José Saramago, em "As Pequenas Memórias", 2006, Editora Caminho

10 de junho de 2010

Cio da Terra

Hoje, a Terra não está com o cio. Está é doente, cheia de febre, lutando contra uma infecção causada por um agente altamente infestante, que não é bactéria nem vírus, mas que se comporta como tal.

5 de junho de 2010

Hoje olho-te, mar

"Os meus passos de criança não deixavam pegadas,
a tua mão de areia e espuma
atraía-me para o teu seio
e eu partia numa braçada confiante
em direcção ao azul dos gritos das gaivotas,
esse azul reluzente ao nível dos olhos
que me chamava sempre mais longe
em busca da vaga que seria enfim minha.
Hoje olho-te, mar,
e lembro-me das lágrimas vertidas,
do sal amargo do regresso,
da tua cor cambiante
que me traz o esquecimento
e eu permaneço lá, apaziguada e feliz,
a olhar a maré do presente
que já não é para mim o chamamento
da tua mortal imensidão."

Isabel Meyrelles, Maio 1997, em "Isabel Meyrelles, Poesia" , Quasi Edições, 2004