"Há muita coisa a dizer e não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho. Se houver força. Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és.
E sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam. Não gosto do que acabo de escrever - mas sou obrigada a aceitar o trecho todo porque ele me aconteceu. E respeito muito o que eu me aconteço. Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço."
Clarice Lispector, em "Água Viva", 1973. Edição Relógio d'Água, Março 2012 (e imagem da capa)
3 comentários:
Adoro a Clarisse.
Beijo e boa Páscoa.
"Páscoa é dizer sim ao amor e á vida; é investir na fraternidade, é lutar por um mundo melhor, é vivenciar a solidariedade."
"Há muita coisa a dizer e não sei como dizer."
Como me revejo nestas palavras!...
Abraço.
Olá Manuel, olá Teresa
Pois a Clarice, mesmo "sem as palavras" que procura transmite emoções de uma maneira espantosa.
Pois eu, por mais palavras que procure, dificilmente as consigo juntar para dizer o que sinto :)
Abraços e obrigada pela visita :)
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