31 de maio de 2010

Está visto que a guerra é um negócio

"Está visto que a guerra é um negócio de primeira ordem, talvez seja mesmo o melhor de todos a julgar pela facilidade com que se adquirem do pé para a mão milhares e milhares de bois, ovelhas, burros e mulheres solteiras, a este senhor terá de chamar-se um dia deus dos exércitos, não lhe vejo outra utilidade, pensou caim, e não se enganava. É bem possível que o pacto de aliança que alguns afirmam existir entre deus e os homens não tenha mais que dois artigos, a saber, tu serves-nos a nós, vocês servem-me a mim. Do que não há dúvida é que as coisas estão muito mudadas. Antigamente o senhor aparecia à gente em pessoa, por assim dizer em carne e osso, via-se que sentia mesmo certa satisfação em exibir-se ao mundo, que o digam adão e eva, que da sua presença se beneficiaram, que o diga também caim, embora em má ocasião, pois as circunstâncias, referimo-nos, claro está, ao assassínio de abel, não eram as mais adequadas para especiais demonstrações de contentamento. Agora, o senhor esconde-se em colunas de fumo, como se não quisesse que o vissem. Em nossa opinião de simples observadores dos acontecimentos, andará envergonhado por algumas tristes figuras que tem feito, como foi o caso das inocentes crianças de sodoma que o fogo divino calcinou."

José Saramago, em "Caim", 2009 (Imagem: óleo sobre tela de Ticiano "Caim e Abel", séc. XVI)

4 comentários:

Miguel Gomes Coelho disse...

Benjamina,
Bom pedaço de um belo livro de Saramago.
Um abraço.

Unknown disse...

Saramago vs Saramago.

Abraço.

Eduardo Miguel Pereira disse...

E eu que não consigo ler Saramago !
Ou melhor, já li, já me forcei a ler uma 2ª vez, mas ... não consigo gostar.
Acho que a má opinião que tenho do senhor acaba por me inquinar a sua leitura.

Benjamina disse...

Olá Miguel, Manuel e Eduardo

É um bom pedaço que dá que pensar e ajustar à realidade de hoje-

Eduardo, para ser sincera consigo, já houve dois livros do José Saramago, dos mais aclamados, que por duas vezes comecei, mas não consigo passar de 1/3.

No entanto, gostei imenso do "Pequenas Memórias" e do "Caim", que "devorei" de um trago em poucas horas, pois além de livros "finos" são muito interessantes e muito bem escritos.

Abstraia-se da pessoa, e verá que é um bom escritor, mas sobretudo, um bom pensador.