30 de agosto de 2009

União de facto

Um extracto do artigo "Casados à força" de Miguel Sousa Tavares, no semanário Expresso de ontem, sobre o veto do Presidente da República ao diploma sobre as Uniões de Facto:

".... A imensa maioria dos casais que vivem em união de facto vivem assim exactamente por quererem uma relação onde à partida ambos sabem que não têm a esperar direito nenhuma obrigação ou direitos decorrentes da lei. É assim que escolheram viver e é um abuso que o Estado venha depois dar-lhes direitos que não reclamaram e que ostensivamente recusaram. Tanto mais, que ao conceder-lhes direitos iguais aos dos casados, não lhes impunha idênticos deveres - o que significava que os casados passariam a ter, face à lei, um estatuto de segunda categoria. ..."
Bem visto!

29 de agosto de 2009

Adagio

Foi terrível resistir à tentação de colocar aqui o filme disponível no youtube, pois não gosto de copiar. Difícil, mas resisti (pelo menos por agora).
Mas porque se trata de algo imperdível, fica aqui o link para o jovem e lindo blogue de Teresa Sá Couto, Adagio. Não podem perder esta animação de Garri Bardin, é linda, profunda, bem feita, e infelizmente retrata algo real que todos conhecemos. E o Adagio de Albinoni!
Vejam aqui

28 de agosto de 2009

Amor é bicho instruído

"Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã."

Carlos Drummond de Andrade

25 de agosto de 2009

23 de agosto de 2009

Carta do desassossego

"Lisboa, 14 de Março de 1916
Meu querido Sá-Carneiro:

Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim.

Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.

Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos o brinquedo partido que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Marco, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.

No jardim que entrevejo pelas janela caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.

Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do "Marinheiro" ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.

Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - cheia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.

Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.

Pode ser que, se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no LIVRO DO DESASSOSSEGO. Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.

As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.

Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.

De que cor será sentir?

Milhares de abraços do seu, sempre muito seu,

FERNANDO PESSOA

P.S. - Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanhã, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si-próprio que dele são tão características...

Você acha-me razão, não é verdade?"

Fernando Pessoa, em Mário de Sá-Carneiro - Cartas Escolhidas

20 de agosto de 2009

Mankind Is No Island

Esta fabulosa curta metragem de Jason van Genderen, "Mankind Is No Island", que ganhou o prémio de curtas metragens Tropfest NY 2008, foi filmada com um telemóvel e teve um orçamento de 57 dólares.
A magia da criatividade e da sensibilidade juntas.

19 de agosto de 2009

Gente do bem

A enorme admiração que tenho pelas pessoas que se dedicam aos outros, e em especial àquelas que o fazem a troco de nada ou de muito pouco (não que um sorriso seja muito pouco, mas entendem-me), obriga-me a deixar aqui uma pequena homenagem neste primeiro Dia Mundial da Ajuda Humanitária. Não podia deixar passar em branco.

17 de agosto de 2009

Esquilices londrinas

Das poucas vezes que vi esquilos em Portugal, foi num relance, de longe, com os bichinhos a fugir a sete pés de tudo que era gente. Ah, mas em Londres, a história parece ser outra. Num dos grandes parques, o esquilo olhou para nós, seguiu-nos, pôs-se em pé a pedir... e quando a minha irmã se aninhou, abriu a carteira e ele (aliás, ela), viu um pacote de bolachas lá, quase entrou pela carteira dentro, agarrado ao pacote... só visto. E o pombo, coitado, cheio de inveja.

15 de agosto de 2009

Fernando Pessoa e a beleza











"O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
O que há é pouca gente para dar por isso.


óóóó - óóóóóóóóó - óóóóóóóóóóóóóóó


(O vento lá fora)."



Álvaro de Campos, 21-10-1935

9 de agosto de 2009

Homem T

Continua até 31 de Agosto, na Avenida dos Aliados do Porto, a exposição Homem T, projecto criado pelo Espaço t. Vale a pena ver. Imagens são melhores que palavras.





8 de agosto de 2009

Raul Solnado

Raul Solnado deixou-nos hoje. A essa grande figura do teatro e da comédia portugueses, deixo aqui uma pequena homenagem. Gostaria de colocar aqui "A Guerra de 1908" com a gravação ao vivo, mas só encontrei com a voz. Muito me ri com essa cena, há quantos anos...



6 de agosto de 2009

Um lugar

Aquele lugar, aquele cheiro a terra misturada com vegetação, os pinheiros, os eucaliptos das bouças a sul, o ar transparente, e o carvalho, o carvalho em frente à casa; sinal de localização para quem não conhecia o caminho, o enorme carvalho via-se de longe. Foi plantado por meu avô no dia em que meu pai nasceu. Quando o meu pai morreu, o carvalho tornou-se para mim o símbolo vivo do meu pai. A casa pertence a uma pequena quinta, que antes de ser nossa, foi do meu pai, do meu avô, do meu bisavô, etc.. A quinta é fértil e bonita, cheia de sol e de verde, atravessada por uma ribeira e situada numa zona de vale. Desvarios foram aquelas reformas agrícolas que obrigaram a arrancar as videiras das ramadas sobre os caminhos que tornavam os seus percursos em verdadeiros momentos de prazer.

A casa, essa, feita com paredes mestras de pedra, e ainda com algumas paredes interiores de estuque, tem uma planta em forma algo invulgar em forma de P. Não é muito confortável nem funcional. Não foi feita de uma só vez, mas foi crescendo com sucessivos aumentos, à medida das necessidades das grandes famílias antigas. É uma casa rural, com algumas partes típicas, como o sequeiro, as adegas, o lagar, as eiras, e até um pombal; outras partes são o resultado de modificações posteriores, adaptando a casa a novas circunstâncias. Com tudo isto, a casa conta uma história de uma família ao longo de gerações, é só perceber a linguagem, para o que basta conhecer o modo de vida rural minhoto deste século em vias de extinção.

Algo me liga lá, seja lá o que for; sejam os tempos que lá passei, correndo pelos campos ou esfolando os joelhos de triciclo e bicicleta com os tombos naquela solarenga eira; os jogos de escondidas e os jogos de cartas com os amigos em que o meu pai também participava; ou os fins de tarde em amena cavaqueira passados no eirado, pequena eira junto ao lagar. O eirado era um dos meus lugares preferidos: rodeado de casa por todos os lados, coberto com ramada de uvas americanas, para ele se viravam as portas das frescas adegas e das outrora cortes dos bovinos residentes no rés-do-chão. No fundo, o que me ficou mais marcado foi o espaço exterior. Talvez aquele lugar seja a representação presente de outra época, uma espécie de dimensão temporal do espaço.

Não foi projectada por arquitectos. Não foi planeada com estudos teóricos. Mas ninguém lhe tira as tardes de Verão em que se faziam as malhadas ou as desfolhadas, eram tempos de trabalho duro e saudável convívio; e lembro-me vagamente de passar a tarde a fazer pequenos ramos de flores para, ao jantar, distribuir aos trabalhadores vizinhos que se juntavam e ajudavam, muitas vezes pelo sentido de comunidade, cuja paga talvez fosse apenas aquele alegre jantar.

São as memórias e sensações que tenho e que tive ligadas a um lugar, a um bocado de espaço que vivi e que vivo. E tal como uma árvore, a ele me sinto agarrada com fortes raízes invisíveis.
Talvez um dia seja possível recuperar esse canto perdido no Minho, bem perto de nós, sem ter de desenraizar as árvores.

Junho de 1999

5 de agosto de 2009

Nothing Compares 2 U - Sinéad O'Connor

Esta é uma canção que Prince compôs nos anos 80 para a banda The Family, dedicada à actriz Susannah Melvoin. A versão de 1990, de Sinéad O'Connor, ainda hoje me arrepia.

4 de agosto de 2009

A gente morre às vezes

"Viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E tudo isso é por enquanto. Enquanto se vive.
(...)
São cinco para as sete. Se me descuido, morro. É muito fácil. É uma questão do relógio parar. Faltam três minutos para as sete. Ligo ou não ligo a televisão? Mas é que é tão chato ver televisão sozinha.
Mas finalmente resolvi e vou ligar a televisão. A gente morre às vezes."

Clarice Lispector, em "Por Enquanto", Conto

3 de agosto de 2009

Venham Mais Cinco - Zeca Afonso

Ontem completaram-se 80 anos desde que nasceu Zeca Afonso.
Para reavivar a memória, um extracto do seu último concerto, no Coliseu, em 1983.